08 julho 2007

Carta de Desamor

Florença, 1 de Março de 1498

Simonetta,

Desde que te conheci que acordo e adormeço contigo no pensamento. Para mim, eras única. Retratava-te nos meus quadros, fazia de ti Maria, Anjo, Primavera, Vénus... Todas as minhas personagens eram inspiradas em ti, todo eu era tu. Quando fazíamos amor sentia-te minha, desejava que morrêssemos ali mesmo para não ter de te dizer adeus ou até logo, e não saber quando te voltaria a ver. Quando te voltaria a ter. Se me pedisses para parar de pintar e fugir contigo, tê-lo-ia feito, qual Sansão perante sua Dalila. Perderia a minha força criativa, o que me dá sustento, para poder ser teu todos os dias. Mas hoje, e finalmente, deram a este cego novos olhos.
Fui ao Palácio dos Médici falar com o meu mecenas Lorenzo a propósito de um quadro que quer que eu faça para uma nova igreja em Florença. Quando me estava a aproximar da sua sala, Alessandra Urbino, uma das muitas conhecidas e pouco recomendáveis amantes de Giovanni Médici, passou-me um papel para a mão que dizia: “Sala Napoli G+S”. Temi o pior, mas sabia que não ia ficar descansado enquanto não fosse espreitar o que se passava, mesmo que tivesse de deixar o magnifico Lorenzo à espera. A grandiosa porta de madeira escura estava encostada, o que me descansou quanto ao barulho desnecessário que teria de fazer. Quando a abri um pouco, vi tudo. A tua boca na de Giovanni, as tuas mãos nas costas dele, as mãos dele nos teus seios.... como era possível? Como era possível que tu, deusa entre as deusas, a quem eu tinha prometido tudo, estivesses com um homem que só te queria pelo físico, pelo carnal? Que só sentia desejo por ti? Que muito provavelmente na hora seguinte estaria com outra? Estava petrificado. Senti a face molhada. Era o suor do nervosismo e as lágrimas da tristeza. O meu coração batia com toda a força, e mentalmente, chamei-te todos os nomes e mais alguns. Desejei que morresses, que te enforcassem, que te fervessem em óleo em praça pública! Tinha nojo de ti. Nojo. Nunca mais te queria ver, cheirar, tocar. Para mim, foram duas sentenças de morte.
É por isso que te faço chegar esta carta através do mais reles dos mendigos, que já é muito para ti. Para que saibas que já não me prendes, que já não és a minha Dalila nem eu o teu Sansão. Que já não te retrato, que já não me inspiro em ti. Como é possível depois de tudo o que passámos? Como? Vadia! Porca! Miserável! Desejo que todos os meus quadros sejam queimados! Que nenhum fique para contar ao mundo como a tua beleza enfeitiçava os homens bons e maus! Sim, assinaste duas sentenças de morte, a tua e a minha. Porque agora, a minha única dúvida é saber quando voltarei a pegar num pincel...

Sandro Botticelli

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